Artigo publicado no Jornal O Globo, em 04.03.2015 (Acesse aqui)

O que o mensalão tem a ver com Lava-Jato? Nada. São ações independentes. Tudo. Ambas são ações penais no Supremo Tribunal Federal, que vai ter que tomar decisões. Mas será que a maneira de tomar decisões na Lava-Jato vai ser diferente da do mensalão? Acho que não.

Deve haver uma continuidade.

Na verdade, o mensalão colocou novo patamar para o Supremo decidir o que é e o que não é justo. Mudou a cara do tribunal como arena argumentativa. Abriu espaço para estratégias e argumentos baseadas nos fatos, em vez de teorias. Espaço que pode se tornar hábito. Mas nem sempre foi assim.

Até então, os advogados podiam apostar mais nas teorias, nas doutrinas. No direito penal, tínhamos um Supremo mais acostumado a decidir recursos. Recursos são arenas ideais para doutrinas e teorias sobre a lei. Mas, no mensalão, como na Lava-Jato, o Supremo terá que decidir sobre fatos. Há cada vez menos espaço para teses abstratas decidirem, sozinhas, o destino dos réus.

O MP e o juiz Sérgio Moro representam essa nova fase. Apostam, como apostou Joaquim Barbosa, na evidência dos fatos.

Como se combate um fato alegado pelo Ministério Público? Ou aceito pelo juiz Sergio Moro? Ou negando, e provando que ele não existiu. Ou mostrando outro fato que desqualifique o alegado.

Neste novo cenário mensalão-Lava Jato, o réu tem duas possibilidades. Ou vai dizer para seu advogado que o inquérito entregue ao ministro Zavascki aconteceu mesmo e, portanto, é melhor aceitar a delação, o acordo de leniência. Diminuir as penas e realizar as perdas, como se diz no mercado financeiro. Ou então vai dizer: “É tudo mentira e posso provar”. “De fato nada ocorreu”. E aí lutar por seus direitos. Este é o dilema dos réus. Eles são os primeiros julgadores de si mesmos.

Apostar em tecnicalidades e nulidades menores que não afetem decisivamente o direito de defesa dos réus — que tem que ser preservado em qualquer situação — não é a estratégia mais promissora. Esse espaço diminuiu. Inclusive porque juízes e Ministério Público têm sido cautelosos com o procedimento.

A ascensão do fato caminha junto com a ascensão da publicidade — dever constitucional — dos inquéritos, das denúncias, dos julgamentos. Dificilmente o ministro Zavascki aceitará processos ocultos, que não são divulgados nem no site do Supremo. Onde ninguém pode, se quiser, saber o número do processo, que ele existe, e se teve andamento ou está parado.

Fatos e publicidade fazem da Lava-Jato, herdeira do mensalão.